UM SONHO DE DOM BOSCO

... "De repente, sem saber como, aparece diante de mim uma estrada. Rompi então o silêncio, perguntando a meu guia:



Aonde vamos agora?



Por aqui-respondeu-me.

E nos encaminhamos por aquela estrada. Era bonita, larga, espaçosa e bem pavimentada. 'Via peccantium complanata lapidibus, et in fine illorum, et tenebrae, et poenae'(Eclo 21,11).[O caminho dos pecadores é muito bem pavimentado, mas no final dele estão o inferno, as trevas e os castigos.]

O caminho baixava sempre. Continuavamos o nosso trajeto por entre flores e rosas, quando pelo mesmo caminho, vi os meninos do Oratório, juntamente com muitíssimos outros companheiros que eu jamais vira antes, caminhando atrás de mim. E encontrei-me no meio deles. Enquanto os observava, de repente vejo que hora um, ora outro, caíam e em seguida eram arrastados por uma força invisível rumo a uma horrível encosta que se entrevia à distância, a qual depois vi que ia dar numa fornalha. Perguntei a meu companheiro:



O que faz cair esses jovens? 'Funes extenderunt in laqueum; iuxta iter scandalum posuerunt' (Sl 139).[Estenderam cordas à maneira de rede ; junto do caminho puseram tropeços.]



Aproxima-te um pouco mais-respondeu.

Aproximei-me e vi que os meninos passavam entre muitos laços, alguns postos à altura do chão, outros à altura da cabeça; estes últimos não se viam. Dessa forma, muitos jovens, enquanto caminhavam sem dar-se conta do perigo, eram colhidos pelos laços; no momento de ser colhidos davam um salto, depois caíam para o solo com as pernas para o ar e, levantando-

se, se punham em desabalada corrida para o abismo. Um era agarrado pela cabeça, outro pelo pescoço, outro pelas mãos, por um braço, por uma perna, pela cintura , e imediatamente eram arrastados. Os laços estendidos pela terra, que mal se podiam ver, eram parecidos com estopa. Lembravam uns fios de aranha, e não pareciam muito nocivos. Sem embargo, vi que também os jovens colhidos por tais laços caíam quase todos por terra. Eu estava espantado. E o guia me disse:



Sabes o que é isso?



Um pouco de estopa, não mais do que isso-respondi.



Menos ainda do que isso; é quase nada-acrescentou. É apenas o respeito humano.

Vendo , entretanto, que muitos continuavam a se enredar nesses laços, perguntei:



Mas como é que tantos ficam atados por meio desses fios? Quem é que os arrasta desse modo?



Aproxima-te mais, olha e verás.

Olhei um pouco e disse:



Não estou vendo nada.



Olha um pouco melhor-repetiu.

Segurei então um dos laços, puxei-o para mim e notei que sua ponta não aparecia; puxei um pouco mais, mas não conseguia ver onde terminava aquele fio; pelo contrário, notei que também à mim ele arrastava. Segui então o fio e cheguei à boca de uma espantosa caverna. Parei, porque não queria entrar naquela voragem; puxei para mim o fio e notei que ele cedia um pouquinho. Mas era necessário fazer muita força. Depois de muito puxar, pouco a pouco foi saíndo da caverna um feio e grande monstro que causava repugnância e segurava fortemente um cabo ao qual estavam atados todos os laços. Era ele que, mal caíndo alguém na rede, imediatamente o puxava para si.



É inútil - pensei comigo - competir em força com este monstro medonho, porque não sou capaz de vencê-lo; o melhor é combatê-lo com o sinal da Santa Cruz e com jaculatórias.



Voltei , pois, para junto do meu guia, e ele me disse:

- Já sabes agora o que é?



Sim! Já sei, é o demônio que estende esses laços para fazer meus jovens caírem no Inferno.

Observei então com atenção os muitos laços e vi que cada um deles levava escrito seu próprio título: laço da soberba, da desobediência, da inveja, da impureza, do roubo, da gula, da preguiça, da ira e etc.

Feito isso, coloquei-me um pouco atrás para observar quais daqueles laços colhiam maior número de jovens. Eram os da impureza, da desobediência e do orgulho. A este último estavam atados os outros dois. Além desses vi muitos outros laços que faziam grande estrago, mas não tanto como os primeiros. Sem parar de observar, vi que muitos jovens corriam mais precipitadamente que outros e perguntei:



Por que essa velocodade?



Porque-foi-me respondido-são arrastados pelos laços do respeito humano.

Olhando ainda mais atentamente, vi que por entre os laços havia muitas facas espalhadas por mão providencial, e serviam para corta-los e rompê-los. A faca maior era contra o laço do orgulho, e representava a meditação. Outra faca também grande, mas um pouco menor, significava a leitura espiritual bem feita. Havia também duas espadas. Uma delas indicava a devoção ao Santíssimo Sacramento, especialmente com a Comunhão frequente; a outra, a devoção à Nossa Senhora. Havia também um martelo: a confissão. Havia outras facas, símbolos das várias devoções: a São José, a São Luiz de Gonzaga etc.etc. Com essas armas não poucos rompiam os laços quando eram presos, ou se defendiam para não serem atados.

Vi, com efeito, jovens que passavam entre os laços sem nunca serem colhidos: ou passavam antes que o laço caísse, ou sabiam esquivar-se e o laço escorregava sobre seus ombros, sobre as costas, de um lado ou de outro, sem contudo poder aprisioná-los.

Quando o guia se deu conta de que eu havia observado tudo, fez-me continuar o caminho bordado de rosas que, à medida que avnçávamos, iam-se tornando mais raras, ao passo que começavam a se fazer notar enormes espinhos.

Chegamos a um ponto em que, por mais que olhasse, já não encontrava rosa alguma, e no final as sebes haviam se tornado só de espinhos, desfolhadas e secas pelo sol. Das moitas dispersas e ressecadas partiam galhos que serpenteavam pelo solo e impediam o caminho, semeando-o com espinhos de tal maneira que só com grande dificuldade se podia andar.

Havíamos chegado a uma baixada cujas ribanceiras ocultavam as demais regiões vizinhas; o caminho, sempre em declive, se tornava cada vez mais horrível, sem pavimentação, cheio de buracos, degraus, pedras e rochas arredondadas.

O caminho se tornava cada vez mais espantoso e intransitável, de modo que mal podia manter-me em pé.

Eis que no fundo desse precipício, que terminava num vale sombrio, apareceu um imenso edifício que exibia, diante de nosso caminho, uma porta altíssima, fechada. Chegamos ao fundo do precipício. Um calor sufocante me oprimia e uma densa fumaça esverdeada se elevava em torno das muralhas, marcadas por chamas cor de sangue. Levantei os olhos para ver a altura dos muros; eram mais altos que uma montanha. Perguntei ao guia:



Onde é que nos encontramos? Que é isso?



Lê naquela porta-respondeu-; pela inscrição saberás onde estamos.

Olhei e vi escrito na porta: Ubi non est redemptio [onde não há redenção].Dei-me conta de que estávamos na porta do Inferno.

O guia me levou a fazer o contorno das muralhas daquela horrível cidade. De espaço a espaço, a distância regular, via-se uma porta de bronze como a primeira, também no ponto final de uma espantosa vertente, e todas tinham uma inscrição latina distinta das anteriores.

Discedite, maledicti, in ignem aeternum, Qui paratus est diabolo et angelis eius... Omnis arbor quae non facit fructum bonun excidetur et in ignem mittetur[Afastai-vos, malditos, ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos...Toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo].

Apanhei um lápis para copiar as inscrições; mas o guia me disse:



Que estás fazendo?



Tomo nota destas inscrições.



Não é preciso; tu as tens todas na Escritura. Algumas delas até as mandaste colocar nas portas [do teu Oratório].




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